Especialistas nacionais e internacionais analisaram dados da lagoa Juparanã e as consequências do barramento do rio Pequeno
O Painel do Rio Doce, coordenado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) para assessorar a Fundação Renova nos esforços de recuperação da bacia do rio Doce, apresentou dados sobre a importância ambiental do contato natural entre as águas para a manutenção do ecossistema no trecho localizado próximo à cidade de Linhares, no Espírito Santo.
O levantamento de estudos realizados entre 2016 e 2018 aponta que a interrupção causada por barreiras, como a do rio Pequeno, pode ocasionar mudanças consideráveis e prejudiciais ao ecossistema, que afetam a conservação e a recuperação das condições naturais pré-existentes do ambiente, incluindo a renovação da qualidade da água, a biodiversidade e seus sistemas de sustentação. Esses obstáculos dificultam as trocas que acontecem entre as águas, os sedimentos e organismos no sistema natural fonte-mar.
Logo após o rompimento da barragem de Fundão, em 2015, uma decisão da Justiça determinou a construção de um barramento emergencial no rio Pequeno para impedir que o rejeito que descia pelo rio Doce entrasse em contato com as águas da lagoa Juparanã.
A lagoa Juparanã é a principal fonte de água de três municípios que estão abaixo do rio Doce, tais como Linhares, Sooretama e Rio Bananal. Inicialmente, como aponta do estudo, ela foi classificada como oligotrófica, por conta da predominância de baixas concentrações de nutrientes e matéria orgânica.
Pouco antes do rompimento da barragem, a Juparanã havia sido classificada como mesotrófica, classificação caracterizada por moderado enriquecimento de nutrientes, crescimento planctônico e acumulação de sedimentos, com a tendência de apresentar condições eutróficas, devido aos elevados níveis de enriquecimento de nutrientes, crescimento planctônico, extensa área coberta com plantas aquáticas, grande acumulação de sedimentos no fundo e baixos níveis de oxigênio dissolvidos no fundo.
Apesar de temporário, o barramento permaneceu instalado por força de seguidas determinações judiciais, o que agravou a ocorrência de alagamentos, já habituais na região, além de aumentar a concentração de matéria orgânica pelo descarte de esgoto in natura. Para reduzir o nível da água, foi construído, em abril de 2018, um canal ligando a lagoa ao rio Pequeno. Antes do último período chuvoso, esse canal foi ampliado e, em caráter de prevenção, foram removidas temporariamente as 56 famílias residentes na avenida Beira-Rio.
Para a UICN, a necessidade de construir o canal artificial demonstrou a importância de preservar as condições naturais, garantir o fluxo de água entre o rio e seus lagos marginais e a necessidade urgente de buscar alternativas para o barramento provisório.
Ligado a essa questão está o descarte contínuo de esgoto não tratado na lagoa, juntamente com os impactos das plantações de café, banana, mamão e cacau na região, que trouxeram cargas de nutrientes expressivas para a Juparanã e podem alterar suas condições naturais.
Hoje, o rio Doce é o mais monitorado do Brasil. Por meio do Programa de Monitoramento Quali-Quantitativo Sistemático (PMQQS), 120 parâmetros físicos, químicos e biológicos são monitorados por meio de 92 pontos de monitoramento, sendo 22 deles realizados por estações automáticas.
Desde o primeiro semestre de 2017, os níveis de metais, como ferro, manganês, alumínio, entre outros, no rio Doce têm se mantido dentro dos parâmetros de normalidade, em valores semelhantes aos encontrados antes do rompimento da barragem.
A líder de Recursos Hídricos da Fundação Renova, Juliana Bedoya, destaca que os dados da qualidade da água do rio Doce são atestados por órgãos estaduais de gestão de recursos hídricos, como o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).
“Hoje, o Doce é enquadrado na classe 2 pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e isso significa que a água pode ser destinada ao abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional, à irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato direto, dentre outros. Os dados do programa de monitoramento hídrico demonstram uma significativa melhora da qualidade da água quando comparados antes e após o rompimento da barragem de Fundão. Porém, o alto índice de descarte de esgoto não tratado interfere significativamente na qualidade do rio Doce”.
A partir dos estudos anteriores, que ainda serão reavaliados com dados mais recentes, o Painel recomenda que a Fundação continue a realizar o monitoramento da qualidade da água e sedimentos a fim de avaliar a recuperação de rios afetados, diante de informações consolidadas para uma solução definitiva.
A Fundação Renova vem, continuamente, realizando estudos para avaliar os impactos da presença do barramento e se existem alternativas viáveis que não causem novos impactos ao meio ambiente, além de avaliar se o contato entre o rio Doce e lagoa Juparanã pode causar alguma alteração.
Com o objetivo de revitalizar o rio Doce, por meio de projetos de saneamento de esgoto e destinação adequada de resíduos sólidos, a Renova vai disponibilizar R$ 500 milhões para 39 localidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão investirem em saneamento básico.
Intervenções no barramento
Seguindo as recomendações do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), a Fundação Renova realiza intervenções no canal do rio Pequeno em Linhares. Os trabalhos foram iniciados no dia 11 de junho, quando ensecadeiras foram instaladas no canal entre o rio Pequeno e o rio Doce. As ensecadeiras são estruturas provisórias que facilitam a execução de obras a seco no interior do canal, em áreas que estão submersas. As intervenções fazem parte da primeira etapa prevista para a realização dos estudos de viabilidade do rebaixamento do canal.
Painel do Rio Doce
O Painel do Rio Doce é gerido pela UICN, instituição de renome internacional com experiência reconhecida pela comunidade científica na gestão de painéis instalados em regiões atingidas por impactos ambientais relevantes e coordenado pela ambientalista equatoriana Yolanda Kakabadse.
A atuação do Painel do Rio Doce está distribuída em diversos eixos temáticos, tais como, estratégia, toxicologia, impactos sobre os ecossistemas, remediação dos ecossistemas, gestão de água, resíduos e rejeitos, impactos sociais e econômicos.
O Painel tem caráter técnico, independente e multidisciplinar e seu produto são recomendações, em diferentes níveis, e temas relacionados ao problema. A instalação do Painel é uma iniciativa da Fundação Renova, em virtude da complexidade, escala e ineditismo da tragédia ambiental gerada a partir do rompimento da barragem de Fundão.