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Publicado: 29/08/2017 10:50h

Especial: Onde o Rio Nasce

Especial: Onde o Rio Nasce

Olho d'água, mina d'água, fio d'água, cabeceira e fonte: não importa como é chamada, a nascente é fundamental para a qualidade dos cursos d'água

"As águas das nascentes da minha fazenda vão para o córrego da Ponte, que deságua no rio Santa Maria, que forma o Rio Doce”. A explicação sobre o caminho das águas de Antônio Scheneider, produtor rural de Colatina (ES), mostra a importância das nascentes para o Rio Doce. São esses olhos d’água que contribuem para a qualidade e a quantidade da água que chega ao rio principal.

Na propriedade de Antônio há duas nascentes, mas a estimativa é que existam mais 300 mil em toda a bacia do Doce. Dessas, cinco mil serão protegidas em 10 anos, pelo Programa de recuperação de Nascentes da Fundação Renova. O programa faz parte das ações da instituição para recuperação das áreas impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015. As primeiras 511 foram protegidas em parceria com o Instituto Terra.

A proteção de nascentes também contou com o apoio de outras instituições, que foram fundamentais para o contato com os produtores rurais e viabilização dos trabalhos, como Instituto Estadual de Florestas (IEF) Regional Rio Doce e Regional Teofilo Otoni, Prefeitura de Itambacuri, Jampruca e Frei Inocêncio, Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) de Itambacuri e dos Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH) do Rio Doce, do Suaçui, de Santa Maria do Doce e de Pontões e Lagoas do Rio Doce.



O extensionista ambiental do Instituto Terra, Lucas Mattos Martins, conta que a proteção das nascentes é uma das estratégias para a recuperação do Rio Doce. “Após o rompimento, com os rejeitos, com o impacto negativo, agora é ainda mais importante fazer esse trabalho de preservação de nascentes. A gente acredita que essas águas, que não foram diretamente afetadas, podem ser de grande importância para recuperação do Rio Doce”, afirma.

Para Sebastião Salgado, cofundador do Instituto Terra, são necessários mais projetos como esse. “Nós temos que aumentar a escala da recuperação das nascentes, porque nós temos uma calha que foi recoberta por um resíduo de lama muito forte, a vida do rio desapareceu. Então, a única maneira de recuperar a calha a longo prazo é aumentar o fluxo de água para retirar a parte da lama e permitir, com o aumento do fluxo de água na calha, a recuperação ambiental do rio e uma melhor disseminação dos resíduos”, argumenta.

Até o momento, 511 nascentes já foram protegidas – 251, em Minas Gerais, e 260, no Espírito Santo. Na fazenda de Hamilton Duarte, produtor rural de Frei Inocêncio (MG), três nascentes foram cercadas. Ele conta que elas ficam bem próximas da sede e que sempre as utilizou como fonte de água. Por isso, já tinha a preocupação de preservá-las. “Eu já tinha cercamento, mas não da maneira como foi feito. Agora está mais bem feito, com uma distância maior entre a cerca e a nascente”, diz. Todo o material necessário para construção da cerca, como arame, mourão e grampo, foi fornecido pelo Instituto Terra.



Um dos principais objetivos do cercamento é proteger as nascentes dos animais de grande porte. “O primeiro passo é cercar pra gente testar a capacidade que o ambiente tem de regenerar sozinho. A gente protege o local para evitar um dos maiores inimigos da recuperação ambiental, que é o gado”, afirma o Líder de Operações Agroflorestais da Fundação Renova, José Almir Jacomelli.

Cleidson Pacheco, produtor rural de Itambacuri (MG), por exemplo, já viu de perto o estrago que o animal pode causar. “Quando o gado chega para beber a água que mina diretamente da nascente, ele vai pisando no barro. O solo vai compactando e parece que derruba um cimento dentro da nascente, que acaba impedindo a saída da água”, explica o produtor. Ele conta também que o gado respeita mais o arame farpado do que o liso e, por isso, foi usado esse tipo de material para a construção da cerca.

O cercamento e o menor impacto do gado nas nascentes ajuda, inclusive, a melhorar a vazão das águas. “Quando chovia, a nascente ficava soltando água um bom tempo, mas, em poucos dias, a água parava. Já tem um tempo que não chove e, da última vez que olhei, estava minando um pouquinho de água, afirma.

A ideia do projeto da Fundação Renova é proteger 500 nascentes por ano. A escolha de quais serão cercadas é do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Doce (CBH-Doce), órgão responsável pela gestão da bacia. De acordo com a presidente da Câmara Técnica de Gestão de Eventos Críticos do CBH-Doce, Lucinha Teixeira, a escolha é feita com base no Mapa de Vulnerabilidade do Rio Doce, elaborado pelo Instituto Bioatlântica e aprovado pelo Comitê, em 2015. O Mapa leva em consideração a disponibilidade hídrica, o uso e a ocupação do solo, a biodiversidade positiva, a degradabilidade do solo e a capacidade de adaptação, calculada a partir do Índice de Desenvolvimento Humano municipal e de dados de cobrança por uso da água.



A SECA

A região onde as 511 primeiras nascentes foram protegidas costuma passar por difíceis períodos de seca. Em Frei Inocêncio, por exemplo, o abastecimento de água na zona rural já está comprometido. “Nossa região está em um período de três a quatro anos de chuvas abaixo da média. Os produtores sofreram a seca na pele, tiveram que buscar água em outra região e vender o gado magro”, conta Maria José Gomes, da prefeitura de Frei Inocêncio e mobilizadora da Associação de Meio Ambiente de Frei Inocêncio (Ambfi).

Uma das nascentes da fazenda de Antonio Scheneider, em Colatina (ES), já chegou a secar em um período de pouca chuva. “A nascente que eu cerquei alimenta a casa, nós dependemos dela. Nos períodos de seca, a gente tem que racionar, mas a tendência é que melhore agora”, diz.

Essa dependência das águas que emergem das nascentes é comum entre os produtores e o risco de uma nascente desprotegida secar com a falta de chuvas é muito grande. Apesar do resultado da proteção ser mais facilmente percebido a longo prazo, algumas pequenas mudanças já começam a aparecer. “Já teve período de vazão muito pequena, que não deu conta de suprir a demanda, tanto que eu tive que fazer poço artesiano. Mas, ano passado já não o usei. Mesmo com a falta de chuvas, a nascente teve uma vazão maior”, conta Hamilton Duarte, de Frei Inocêncio, que teve as nascentes cercadas no ano passado.

TRABALHO COLETIVO

Para que a proteção de nascentes dê certo, é preciso o envolvimento de produtores rurais, ambientalistas, representantes de órgãos ambientais e outras instituições. Lucas Mattos, do Instituto Terra, diz que sem o envolvimento dos produtores rurais o projeto não seria possível. Isso não só porque as nascentes estão em propriedades particulares, mas, principalmente, pelo conhecimento que os produtores possuem da região. “A gente vem com uma carga teórica, mas o produtor vem com o conhecimento do trabalho com a terra. É uma troca. É ele que mais conhece o local, a realidade e as dinâmicas da microbacia. Se ele não participar, o projeto não é sustentável”, afirma.

Muitos deles, inclusive, já têm essa consciência e reconhecem a importância da colaboração. “Eu acredito que faz parte do nosso papel cuidar da natureza. Se não cuidarmos, nós mesmos seremos prejudicados com a falta de água. Uma propriedade sem água perde o sentido. O que for da minha parte eu quero fazer”, garante Cleidson.

No trabalho que vem sendo executado, os produtores ajudaram também a superar um dos principais desafios do projeto. Em um primeiro momento, parece simples levar todo o material e construir as cercas. O problema é que, muitas vezes, as propriedades ficam em locais de difícil acesso, principalmente, quando é necessário transportar uma grande quantidade de arame e madeira, por exemplo. “Às vezes, o caminhão não consegue chegar até a área. E, nisso, o produtor contribui muito, porque ele conhece os atalhos, os melhores caminhos”, diz Mattos.

Em contrapartida, os produtores também aprenderam a melhor maneira de proteger uma nascente, acertando agora na escolha da cerca, na distância que ela deve ter do olho d’água e do tipo de vegetação mais adequada. Hamilton, de Frei Inocêncio, conta que sempre soube da importância de proteger a nascente, mas, além da questão financeira, da compra dos materiais, não tinha certeza da melhor maneira de cercá-la. Ele conta que vai fazer também algumas “barraginhas” para aumentar a vazão da água – estruturas de contenção no solo, em um local acima das nascentes, para que a água da chuva concentre no local, infiltre no lençol freático e brote nos olhos d’água, aumentando a vazão.

Agora, a tarefa dos produtores é manter a proteção até que as próximas etapas do projeto comecem. “A gente tem que cuidar da nascente, dar manutenção na cerca, limpar. É uma área de preservação, com a tendência de aumentar a quantidade de árvores em volta. As árvores vão frutificando, vão soltando sementes, aí vai expandindo”, diz Antônio, de Colatina.



PRÓXIMOS PASSOS

O cercamento é o primeiro passo para a proteção de nascentes. Depois disso, uma série de outras ações são necessárias. “A nossa intenção já era cercar e plantar imediatamente, mas, como essa região tem um período de estiagem muito prolongado, o recomendado é fazer o plantio de mudas no início do período chuvoso para que a planta receba água ao mesmo tempo em que se adapta ao terreno”, explica Almir Jacomelli, da Fundação Renova.

Enquanto o período chuvoso, que vai de outubro a março, não chega, Jacomelli explica que a Fundação Renova e o Instituto Terra começarão a instalar Mini Estações de Tratamento de Efluentes e placas que identifiquem o projeto e as nascentes. Também é necessário preparar o terreno para o plantio de mudas.


Fonte: Fundação Renova
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