O estudo visa selecionar exemplares com melhor perfil genético para a produção do princípio ativo; estima-se que planta, ameçada de extinção, já perdeu 50% da sua população natural
Pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale (ITV), em Belém, estão realizando, pela primeira vez, o sequenciamento do DNA do jaborandi (Pilocarpus microphyllus), planta ameaçada de extinção, nativa de regiões de clima quente e úmido e encontrada nos estados do Pará, Maranhão e Piauí. As propriedades da planta são bastante usadas em produtos cosméticos e farmacêuticos. Dela, é extraída a pilocarpina, usada no tratamento do glaucoma e no combate à boca seca, conhecida cientificamente como Síndrome de Sjörgren.
Com o sequenciamento do DNA, os pesquisadores pretendem mapear a diversidade genética da planta e entender como ela produz pilocarpina. Esse é um ponto crucial para garantir a sobrevivência no longo prazo do jaborandi, que estima-se já ter perdido 50% da sua população natural por conta da extração predatória. A colheita das folhas de jaborandi, de onde é extraída a pilocarpina, é feita em área de floresta, pois o teor médio do princípio ativo - em torno de 1% - é o dobro do encontrado em plantas cultivadas. Isto explica porque a maior produção de jaborandi ainda hoje é predominantemente extrativista. No Brasil, a principal área de coleta está na Floresta Nacional de Carajás (Flona de Carajás), no Sudeste do Pará, cujo trabalho é realizado por meio da Cooperativa dos Extrativistas na Serra dos Carajás (Coex-Carajás), em Parauapebas. A cooperativa reúne cerca de 50 folheiros, como são chamados, os coletores de jaborandi.
"O estudo do genoma é importante para conhecer a fisiologia de uma planta e como ela se relaciona com o meio físico e químico. No caso do jaborandi, estamos estudando os marcadores genéticos associados à produção de pilocarpina. Com o mapeamento do DNA, poderemos, no futuro, selecionar entre as plantas que produzem mais pilocarpina, aquelas com a características genéticas necessárias para aumentar a produção do princípio ativo", explica o biólogo molecular Guilherme Oliveira, que lidera a equipe do ITV em Genômica Ambiental.
O sequenciamento do genoma do jaborandi começou no ano passado e, segundo Oliveira, terá a sua primeira versão em 2019. "É um genoma de grande tamanho e muito complexo porque possui regiões repetidas, ou seja, é como um quebra-cabeça no qual há várias peças iguais entre outros desafios", completa.
Mapeamento
Outra frente de pesquisa, liderada pela Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), com o apoio do Instituto Tecnologia Vale, é o monitoramento fenológico do jaborandi, ou seja, a identificação das épocas e das formas de produção de sementes e novas folhas da planta. O monitoramento é realizado periodicamente por uma equipe de pesquisadores que visita as plantas marcadas ao longo do projeto, verifica a produção de flores, frutos e seu crescimento, a fim de coletar dados que embasem um melhor plano de conservação da espécie.
"O jaborandi é uma planta que ocorre no sub-bosque, uma área de transição entre a floresta e a canga. Por conta dessa característica, o mapeamento por satélite é difícil, pois os jaborandis ficam embaixo das copas das grandes árvores da floresta. Por isso o mapeamento necessariamente é feito no campo", explica o engenheiro agrônomo Cecílio Caldeira, do ITV. De 2012 até agora, já foram mapeados mais de 7 mil hectares de ocorrência da espécie na Flona de Carajás.
Um plantio de resgate, composto por 86 plantas matrizes oriundas de diversos locais da Flona, foi criado em Belém. "Deste plantio, já produzimos 600 mudas, que foram transplantadas em uma área de preservação mantida pela Vale na área do S11D", afirma Caldeira, referindo-se à Mina do S11D, em Canaã dos Carajás, que também se encontra dentro da Flona de Carajás. Os pesquisadores pretendem subsidiar o plano de manejo da Flona e identificar áreas de ocorrência do jaborandi, para que possa se coletado de forma sustentável, beneficiando, por sua vez, a Cooperativa dos Extrativistas na Serra dos Carajás.
A Ciência em benefício da comunidade
O estudo da caracterização genômica do Jaborandi e o mapeamento de novas áreas de ocorrência natural da espécie têm reflexos positivos na comunidade. As orientações sobre manejo sustentável aos produtores e a garantia de continuidade da espécie no ambiente natural, ou seja, a manutenção da floresta em pé, de onde os extrativistas podem tirar o sustento das suas famílias conectam esses dois pontos.
Gilson Moraes Lima, presidente da Coex-Carajás, destaca os ganhos das pesquisas para a atividade. "O mapeamento das novas áreas aumentou consideravelmente a nossa produção. Até 2015, a colheita das folhas não passava de 23 toneladas. Nos anos seguintes, 2016 e 2017, a produção dobrou de volume. Hoje, superamos a marca de 50 toneladas", afirma.
Além da atividade principal, os folheiros também participam das pesquisas, coletando sementes e apoiando na descoberta de reboleiras, isto é, dos novos pontos onde o arbusto é encontrado na floresta. "Há muitas áreas a serem descobertas e isso é bom, porque aumenta a renda para o produtor", ressalta Lima, que também destaca o caráter educativo das pesquisas. "Os pesquisadores levam o material para estudo e depois retornam com as informações para a gente. Já sabemos que a planta e o solo de onde ela foi colhida precisam de um descanso. Só voltaremos a esse local após três ou quatro anos. Nesse tempo, vamos fazer o trabalho em novas áreas, que também são resultados do mapeamento da planta. Os pesquisadores também nos orientam como coletar as folhas sem agredir a planta e o meio ambiente", diz.
O caminho do jaborandi
Até às farmácias, a trilha é longa e cheia de histórias. Para transformar essas folhas em uso medicinal, os folheiros chegam a passar o dia inteiro dentro da floresta durante seis meses - de julho a dezembro. A partir de um manejo sustentável, os extrativistas colhem, secam e ensacam as folhas do jaborandi, tudo dentro da mata. O extrativista chega a caminhar de 3 a 4 horas carregando entre 30 e 35 quilos de folhas nas costas até o carro que leva o produto para o galpão. No total, são colhidas de 40 a 50 toneladas de folhas da planta por ano.
A Coex é responsável por toda a organização da coleta das folhas e pelas negociações com o mercado comprador. Tudo que é produzido é vendido para o grupo Centroflora, no Piauí, empresa brasileira do setor químico e farmacêutico que trabalha com a comercialização e o desenvolvimento de extratos vegetais. É destas folhas que o Centroflora extrai os sais de pilocarpina e vende a substância para laboratórios farmacêuticos responsáveis pela produção do colírio usado no tratamento do glaucoma.
A atividade propicia renda para famílias que vivem no entorno da Flona de Carajás e que, devido às poucas oportunidades de trabalho na região, têm o seu sustento oriundo da floresta. Os ganhos financeiros mensais ficam entre R$ 4 mil e R$ 5 mil por cooperado, conta o presidente do Cooperativa Coex-Carajás, Gilson Moraes Lima.
Segundo o chefe da Floresta Nacional de Carajás, Marcel Regis Moreira da Costa Machado, a experiência de extração das folhas de jaborandi mostra que a unidade de conservação pode conciliar os interesses econômicos com a conservação ambiental. "Isso permite diversos usos dos recursos naturais existentes na unidade e beneficia diversos grupos sociais da região", diz Machado.
20 anos da Flona de Carajás
A Floresta Nacional de Carajás foi criada para garantir a proteção de uma riqueza que ficou rara no sudeste do Pará: a floresta em pé. É dentro desta área conservada, mais de 400 mil hectares, que fica a mina de Carajás e outros projetos minerários da Vale. Juntos, ocupam menos de 2% da área total da Flona. "Foi graças a esta parceria com a Vale que conseguimos preservar, nas últimas décadas, uma ilha de florestas cercada por pastos por todos os lados", diz o chefe da Flona Marcel Regis, do ICMBio. A Flona integra um conjunto de 760 mil hectares de áreas protegidas.
Em apoio ao ICMBio, a Vale destina cerca de R$ 20 milhões por ano à proteção dessas áreas. O valor é direcionado a ações como prevenção de incêndios, combate ao garimpo ilegal, pesca e caça predatória e desmatamento. Depois de 20 anos desde a sua criação, em 1998, a Flona de Carajás prova de que é possível o equilíbrio entre a produção mineral e a conservação ambiental. Um estudo realizado pelo Tribunal de Contas da União registrou que a Flona de Carajás está entre os 4% das Unidades de Conservação do Brasil com alto grau de implementação e gestão. São mais de 400 mil hectares preservados e 7 mil espécies de plantas e animais.
ITV
Em 2009, a Vale criou o Instituto Tecnológico Vale com o objetivo de buscar soluções inovadoras de médio e longo prazos, que possam melhorar o desempenho operacional da empresa em todas suas etapas, desde a mina até a entrega final do produto ao cliente. A intenção também é ajudar a gerar mudanças fundamentais nas estruturas de negócios da Vale, com respeito ao meio ambiente e às comunidades. Atualmente, o ITV mantém duas unidades: uma em Belém (PA), especializada em questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável, e outra em Ouro Preto (MG), voltada a temas ligados à mineração.