Antes mesmo de ser concluído, o processo de reorganização societária da Vale, anunciado no dia 20 de fevereiro, já produziu efeitos importantes. As ações da mineradora passaram a ser negociadas com menos desconto em relação aos seus pares no mercado internacional - por conta da percepção de melhora da governança -, assim como apresentaram um descolamento em relação ao minério de ferro.
A correlação entre os preços da commodity e a ação da Vale, que chegou a 94% em 12 meses, caiu para 63% se considerados os últimos dois meses. Hipoteticamente, isso significa que, para cada US$ 1 de variação da commodity, a ação da Vale tende a oscilar US$ 0,63.
Para se ter ideia, nos últimos dois meses, enquanto os recibos de ações ordinárias da Vale (ADR, negociados na bolsa de Nova York) caíram 22%, a cotação da tonelada do minério de ferro teve um recuo maior, de 32%.
O investidor sempre exigiu um desconto maior para comprar ações da Vale, segundo especialistas, porque considerava a gestão da empresa menos eficiente do que a de companhias concorrentes. Com o anúncio da reogarnização societária, a expectativa é que o modelo de governança da companhia melhore. A reestruturação da Vale, que busca transformar a mineradora numa corporation, de capital pulverizado, prevê a conversão voluntária das ações preferenciais classe A (PNA) em ordinárias na proporção de 0,9342 ação ordinária por 1 ação PNA.
A empresa já vinha trabalhando nos últimos anos para se tornar mais eficiente e ter sua geração de caixa e resultados financeiros menos dependentes dos preços do minério de ferro. O analista do Citi Thiago Ojea destaca que, em períodos longos, sempre vai ser possível verificar uma maior correlação entre a ação da Vale e o preço do minério de ferro. "Mas, agora, a questão da governança está ganhando força", diz.
O Citi tem recomendação de compra para os ADRs de Vale, mas revisou ontem o preço-alvo de US$ 14 de US$ 13,60. O novo preço-alvo representa um potencial de valorização de cerca de 60% sobre os preços de ontem. Em relatório assinado por Ojea e Alexander Hacking, o Citi disse que manteve a recomendação de compra para a Vale com base no forte retorno de fluxo de caixa livre (indicador que relaciona o fluxo de caixa com o valor de mercado de uma empresa), de 10% a US$ 50 por tonelada do minério, 15% a US$ 60 por tonelada e 20% a US$ 70 por tonelada. Os analistas destacaram ainda o crescimento importante no volume de minério de ferro, que compensa parcialmente os preços mais baixos, diferentemente do último ciclo de baixa.
O Citi elevou sua projeção de lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) para a Vale em 2017 e 2018, para US$ 16,3 bilhões e US$ 11,7 bilhões, respectivamente, ambos com alta de 6% com relação à estimativa anterior. Para o primeiro trimestre, a estimativa para o Ebtida é de US$ 4,5 bilhões.
A divulgação do balanço pela empresa, previsto para o próximo dia 27, é outro evento que pode reforçar o descolamento das ações da Vale em relação ao preço do minério de ferro, na avaliação de Adeodato Volpi Netto, estrategista da Eleven Research. Segundo ele, depois de um resultado financeiro ruim em 2015, a Vale aumentou a sua eficiência e reduziu custos de produção, o que a torna menos dependente da variação dos preços do minério de ferro. "A companhia criou uma estrutura de capital para ter resultado positivo com o preço do minério de ferro a US$ 50 por tonelada", destaca.
Nos cálculos de Volpi Netto, considerando um preço do minério em US$ 75 a tonelada, a relação entre a dívida líquida e o Ebtida cairia de 2,2 vezes em 2016 para 0,8 vez neste ano e para 0,3 vez em 2018. Já a relação entre o valor da companhia e o Ebitda passaria de 8,3 vezes em 2016 para 4,2 vezes em 2017 e 3,9 vezes em 2018. "A Vale tem uma operação rentável com o preço do minério entre US$ 65 e US$ 68 por tonelada", diz. O estrategista considera que o resultado financeiro do primeiro trimestre deste ano da Vale deve mostrar um Ebtida de US$ 5,2 bilhões. "Mantemos a recomendação de compra para a ação PNA e colocamos o preço-alvo em R$ 42 [potencial de ganho de cerca de 65%]", diz.
De acordo com os analistas do BTG Pactual Leonardo Correa e Caio Ribeiro, nos últimos anos, o progresso da Vale tem sido louvável sob vários ângulos: redução dos custos de caixa, diminuição da alavancagem de 3,5 vezes para 2,1 vezes, desinvestimentos e venda de ativos, além de melhorias potenciais de governança corporativa. Em relatório distribuído a clientes, os analistas consideram que, assumindo que o preço médio do minério de ferro se mantenha em US$ 80 por tonelada neste ano e caia para US$ 55 a tonelada, há um potencial de alta de 20% de valor para a Vale. O BTG mantém a recomendação neutra para a empresa e coloca o preço-alvo do ADR em US$ 10.
Desde o começo do ano, os ADRs da Vale com lastro em ações ordinárias acumulam ganhos de 12,5% e, nos últimos 12 meses, de 62,6%. Os ADRs da Rio Tinto, uma de suas principais concorrentes, sobem 0,42% no ano e 19% em 12 meses. Já o preço do minério de ferro registra queda de cerca de 20% no ano, mas ainda sobe 12% em 12 meses.
A commodity ganhou força depois da posse do presidente americano, Donald Trump, no começo de novembro do ano passado, que prometeu grandes investimentos em infraestrutura no país, o que favoreceu as ações da Vale. Mas há outros fatores que explicam a valorização do papel. "Foi um período marcado pela volta do investidor estrangeiro para o mercado de ações, a retomada da confiança sobre a economia e políticas econômicas mais críveis", diz Raphael Figueredo, analista da Clear Corretora.