O pacote de mudanças na indústria de mineração, lançado em julho por meio de três medidas provisórias, saiu do Congresso Nacional desfigurado. As alíquotas de royalties cobradas na exploração do minério de ferro ficaram mais altas do que o inicialmente previsto pelo governo, a nova agência reguladora saiu inchada e com aumentos salariais para os servidores da área, a MP que buscava modernizar 23 pontos do código em vigência há 50 anos caducou sem ser votada.
A bola agora está com o presidente da república, que tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar os textos aprovados. O aumento dos royalties deve se tornar uma queda de braço entre parlamentares e mineradoras. Deputados federais e senadores do Pará e de Minas Gerais foram ao Palácio do Planalto ontem mesmo, um dia após a aprovação da MP que tratava do assunto, iniciar sua pressão. Ao mesmo tempo, mineradoras protestam duramente contra a alíquota fixa de 3,5% sobre a receita bruta das jazidas de ferro.
"Isso entra na estrutura de custo das empresas e representa aumento da carga tributária", diz o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Walter Alvarenga. "Nós respeitamos as alterações decididas pelo Congresso, mas elas comprometem a competitividade, a geração de divisas e o plano de investimentos para o país. Peru, Argentina e Chile estão atraindo mais projetos do que o Brasil porque estimulam a atividade", acrescenta.
Atualmente os royalties cobrados sobre a exploração do minério de ferro são de 2% da receita líquida. A proposta do governo era de alíquotas que variavam conforme o preço internacional de mercado. Mesmo podendo alcançar 4% em caso de altas súbitas da commodity, a alíquota ficaria hoje em 2% do faturamento bruto.
Por ora, a tendência clara no Palácio do Planalto é manter a nova tabela da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), segundo apurou o Valor. Além de pagar a conta por votos favoráveis que recebeu nas denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o presidente tenta fazer acenos para conquistar apoios à reforma da Previdência e resolveu não comprar briga com as bancadas mineira e paraense.
A arrecadação da Cfem atingiu R$ 1,8 bilhão no ano passado e a estimativa era de um aumento próximo a 80%, que deve subir ainda mais. A maior parte vai para municípios e Estados, mas o Congresso incluiu uma pequena fatia dos royalties para prefeituras de cidades indiretamente impactadas - por exemplo, cortadas por ferrovias ou com portos.
Outra medida provisória, que criou uma nova agência reguladora no lugar do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), também mudou de cara no processo legislativo. O número de cargos comissionados passou de 252 para 384. Salários dos servidores foram equiparados aos outros órgãos reguladores e terão, em alguns casos, aumento superior a 30%. Os pré-requisitos para a escolha da futura diretoria colegiada ficaram menos rígidos.
A associação de servidores do DNPM enfatiza o fato de que os ajustes feitos pelo Congresso dispensam a necessidade de contratações temporárias na nova agência - fato que seria inédito, segundo a entidade, entre órgãos reguladores. Isso "permitirá continuar as operações sem onerar demais os cofres públicos, já implementando uma nova dinâmica de gestão com ganhos imediatos em celeridade processual e arrecadação".
Para o especialista em direito minerário Marcello Ribeiro Lima Filho, sócio do Lima Feigelson Advogados, houve uma "grande perda" na exclusão de parte dos critérios para a diretoria da agência. Esses critérios reproduziam a Lei de Responsabilidade das Estatais, exigindo pelo menos dez anos de experiência profissional dos indicados, por exemplo.
Mesmo com o enfraquecimento dos pré-requisitos originais, Lima elogia a medida. "Era uma discussão que se estendia por mais de 20 anos. Pelo menos foram mantidos alguns critérios, os diretores vão ter mandatos fixos, sem a possibilidade de recondução", afirma. Ele também achou positiva a derrubada da nova taxa de fiscalização das atividades minerárias, no valor de R$ 500 a R$ 5 mil por cada jazida, dependendo do estágio do empreendimento. A justificativa do governo era custear o funcionamento da agência. "Mas seria apenas uma mordida a mais."
Como a MP de reforma do código em vigência desde 1967 caducou, o Ministério de Minas e Energia avalia a conveniência de editar um novo texto na virada do ano legislativo. "Esse vaivém de medidas provisórias que perdem eficácia traz incertezas para o setor", completa o advogado.
Para piorar o grau de insegurança, o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) entrou com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender, liminarmente, a validade de todas as MPs - incluindo os textos aprovados pelo Congresso.