A crise da segurança pública no Espírito Santo, aberta desde o início da greve da Polícia Militar, no sábado, já afeta o setor produtivo e de comércio exterior no Estado. Com a população acuada pela escalada da violência e sem transporte público, grandes empresas mudaram a rotina.
O Terminal de Vila Velha (TVV), o único de contêineres do Estado, localizado em Vila Velha, suspendeu a operação noturna de movimentação de cargas e a equipe administrativa está trabalhando de casa. "Tivemos uma recomendação para não requisitar mão de obra avulsa (estivadores, que atuam a bordo) à noite, então redistribuímos nossa grade de recepção de cargas e de entregas para o período do dia, até as 18 horas", disse o diretor-presidente do TVV, Cleber Cordeiro Lucas.
O TVV, da empresa Log-In, conseguiu atender todos os navios, mas teve de fazer ajustes na programação - há em média uma atracação por dia no terminal.
A situação tende a piorar se nada for feito. Dependendo do atraso, a rotação programada do navio fica comprometida. No limite, isso pode levar o armador, o dono do navio, a pular o porto - o que implica custos logísticos adicionais.
O presidente da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), Luis Claudio Montenegro, disse que no início da semana parecia uma crise pontual, mas a partir de terça-feira a situação no Estado ganhou contorno caótico, "de filme de apocalipse", disse. Segunda à tarde Montenegro dispensou a equipe administrativa do porto e desde então avalia dia a dia se vale a pena voltar. "Todo dia tomo a decisão de voltar, mas à noite recuo. Já abri mão do expediente de amanhã [hoje] e de segunda. Só vou reavaliar na terça".
Na operação portuária a Codesa está atuando excepcionalmente e só durante o dia. Consequentemente, o volume de cargas movimentado no cais comercial do porto de Vitória e no porto de Capuaba ficou 30% abaixo do programado para a semana.
Segundo o Sindicato do Comércio de Exportação e Importação do Estado do Espírito Santo (Sindiex), a maioria das operações de liberação de cargas é feita de forma eletrônica, mas a chegada e saída físicas das cargas já começaram a ser impactadas. "Os entrepostos estão trabalhando de maneira precária, com 20% a 30% da força de trabalho. Só hoje (ontem) parece que a situação começou a dar sinais de melhora", disse o presidente do Sindiex, Marcilio Machado.
Complexo industrial privado por onde a Vale escoa minério de ferro, o Porto de Tubarão, na área continental de Vitória, continua a operar sem alterações. A direção do terminal, porém, monitora dia a dia a situação de forma a garantir a segurança dos funcionários. Houve uma "flexibilização" dos horários de entrada e saída dos funcionários do terminal que trabalham na área operacional, para evitar que circulem nas ruas à noite. Os empregados da área administrativa estão trabalhando de casa. Mas o terminal continua a operar 24 horas por dia, com embarques e produção mantidos.
Na quarta-feira, o trem de passageiros da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), também da Vale, voltou a transportar passageiros entre Belo Horizonte e Vitória, depois de ser paralisado para garantir a segurança dos usuários e dos empregados que trabalham na composição.
Terceira maior empresa do Estado, também a siderúrgica ArcelorMittal flexibilizou os horários de trabalho das equipes que atuam em regime de turno e dispensou os que trabalham em horário administrativo até que a situação se normalize. Mas a produção e a operação, disse em nota, ainda não foram afetadas. A ArcelorMittal possui duas unidades na Grande Vitória: a ArcelorMittal Cariacica, de aços longos, e a ArcelorMittal Tubarão, no município de Serra, de aços planos.
A fabricante de chocolate Garoto, com sua fábrica em Vila Velha, disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que está fazendo o necessário para proteger seus funcionários contra a onda de violência. Com um portfólio de aproximadamente 70 produtos, a Garoto é a décima segunda maior empresa do Espírito Santo e foi classificada em 2015 pelo Instituto Euvaldo Lodi (IEL) como a primeira companhia no ranking das maiores na indústria de alimentos, segundo sua receita operacional bruta.
A Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) avalia que ainda é cedo para estimar as perdas provocadas pela paralisação de indústrias no Estado, "mas a cada dia parado, uma indústria perde 5% do seu faturamento", estima o presidente da Findes, Marcos Guerra.
De acordo com ele, há empresas do setor industrial paradas na região da Grande Vitória, em municípios como Serra, Cariacica e Vila Velha, devido à falta do transporte público, e outras que dispensaram funcionários, que seguem trabalhando de casa. No restante do Estado, não há paralisações em polos industriais.
A preocupação maior, diz Guerra, é com o crescimento do desemprego. "Ha lojistas que perderam tudo e podem decidir não voltar. Os shopping centers estão todos fechados há dias e nas lojas menores, que já vinham sofrendo com queda significativa de vendas, com essa onda de invasões e depredação, com certeza esse tipo de comerciante vai repensar se volta."