Já no menor patamar dos últimos onze meses, o minério de ferro pode se enfraquecer ainda mais no curto prazo, antes de se estabilizar para refletir melhor os fundamentos econômicos, apostam analistas. Assim que a demanda chinesa arrefecer, o que é esperado para as próximas semanas, é possível que no início do segundo semestre os preços já caiam abaixo de US$ 50 por tonelada e flertem com um patamar menor, perto de US$ 40.
Ontem, a commodity com pureza média de 62% terminou cotada em US$ 55,36 a tonelada no porto chinês de Qingdao, leve queda de 0,1% mas ainda assim uma confirmação do pior valor desde 8 de julho do ano passado. A queda acumulada em 2017 já chega em 29,8% e a média do segundo trimestre, de US$ 64,75, representa queda de 24,4% ante os três primeiros meses do ano. Em comparação anual, porém, ainda há crescimento de 16,7%.
A desvalorização reflete a projeção dos agentes do mercado de que o volume de oferta acima da demanda mundial vai se elevar nos próximos meses. Na China, por exemplo, maior consumidora da matéria-prima no mundo, o pico sazonal de produção de aço está próximo de acabar, em um momento no qual as principais mineradoras aceleram seu ritmo de produção.
Por enquanto, porém, o nível de compras chinesas segue forte. No mês passado, revelou a Alfândega da China, foram importadas 91,5 milhões de toneladas de minério, altas de 5,5% sobre o mesmo período de 2016 e de 11,3% ante abril. Essa quantidade aponta para mais um mês forte de fabricação de aço no país, acompanhando a aceleração que se iniciou no fim do ano passado.
Mas daqui para frente, a expectativa é de que as siderúrgicas coloquem o pé no freio. Em relatório, a ANZ Research, corretora australiana, disse que não é hora de se tornar otimista quanto às compras de minério pelos chineses. "Ainda é muito prematuro para se ter uma conclusão sólida. A perspectiva de formação bruta de capital fixo e construção de infraestrutura será crítica para o nível de importações", afirma.
É esse momento mais fraco que está se refletindo nos preços do minério. O banco BTG Pactual chegou a escrever, também em relatório, que a rápida queda vivenciada pela commodity foi notável, dados os fortes fundamentos econômicos.
Carsten Menke, analista do Julius Baer, afirma que o desempenho é mais uma evidência clara da influência que a especulação financeira tem sobre o mercado físico hoje. "A queda dos preços é grande, apesar de não haver nenhum impacto relevante na oferta e na demanda no curto prazo", comenta, em entrevista ao Valor.
No outro lado, o da demanda, contudo, existe uma fonte de pressão. Isso porque Austrália e Brasil, maiores produtores da matéria-prima internacionalmente, estão com projetos de expansão de baixo custo. Em maio, por exemplo, Pilbara, que é a região australiana exportadora de minério, vendeu 44 milhões de toneladas ao exterior - um recorde. O Brasil, ao mesmo tempo, se recuperou de um momento de baixa no início do ano, e chegou a 35 milhões de toneladas.
Agora, conjuntamente, Vale, Rio Tinto, BHP e Roy Hill, principalmente, acenam com uma inundação de ferro no mercado transoceânico (ver gráfico acima). A folga aberta pelas importações chinesas sobre as exportações de Austrália e Brasil está se fechando - quando o nível importado cair, as exportações certamente passarão a suplantar a demanda da China.
Para Caroline Bain, economista da consultoria Capital Economics, há espaço para uma liquidação no mercado futuro, que espirre nas negociações à vista. Isso pode levar nos próximos meses o minério próximo a US$ 40, projeta. "Mas mesmo que o preço caia abaixo dos US$ 50, acreditamos que ele volta para US$ 50 até o fim do ano", diz, referindo-se a sua expectativa para dezembro.
Ainda em relatório desta semana, o BTG avalia que o nível de estoques em portos da China também preocupa e ajuda a derrubar o minério. O banco é outro que espera no segundo semestre alguns momentos em que a cotação fique abaixo de US$ 50. "Mas apesar de não descartar enfraquecimento no segundo semestre, os riscos de curto prazo parecem mais equilibrados agora", diz o texto.
Menke, do Julius Baer, lembra que o minério permanecer muito tempo abaixo de US$ 50 pode trazer uma correção "natural" ao mercado. Produtoras de alto custo teriam de fechar as portas, por não conseguirem suportar os prejuízos gerados, o que aliviaria o excesso de oferta global.
Na média, o consenso dos analistas aponta para US$ 55 a cotação no último trimestre de 2017.
Esse cenário desenhado de larga sobreoferta é uma das consequências da transição da economia chinesa de uma base em investimentos na infraestrutura própria para o consumo. No ano passado, o governo viu que o crescimento econômico desaceleraria demais e decidiu estimular a atividade com crédito, mas agora não existe mais essa bala na agulha da China, por conta do atual esforço de saneamento local das contas públicas.