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Publicado: 11/07/2017 19:09h

Com quantos "nãos" se faz um fracasso?

Com quantos "nãos" se faz um fracasso?

Sou de uma geração que está em lento e inexorável processo de extinção. Fomos preparados para competir. Não precisamos vencer, precisamos tentar. Podemos perder e isto é natural do jogo, não deixa traumas. O fundamental é ter claro que fez o melhor. Nunca foi o jogo de cena para mostrar para alguém cumprir tabela. Fazíamos e fazemos pela plena sensação de tentar sempre, realizar algo e isto não tem preço. É uma daquelas coisas que Mastercard não paga!

Num desses dias me surpreendi com um artigo celebrando a vitória do não. Na contramão de tudo o que move o ser humano para a frente. Fiquei curioso e li o artigo de Lucy Kellaway, “Por que as pessoas mais bem-sucedidas dizem não”. O texto original, publicado no Financial Times e depois no Valor Econômico, identifica uma tendência de que as pessoas estão dizendo mais “não”. Como se novidade fosse? Tudo ali me causou estranheza, das coisas insossas como rejeitar café até outras, mais sérias, como evitar reuniões de trabalho. É, claro, cheguei ao final muito irritado!

Desde que comecei a trabalhar, antes mesmo de assumir qualquer cargo de chefia, sempre tive dificuldade em manter boa relação com gente que cultua o não. Eu mesmo, se bobear, me transformo em um ranzinza adepto do não. Quando embarco nessa onda apelo ao estribilho de Tempos Modernos (Lulu Santos e Nelson Motta): “eu vejo um novo começo de Era, de gente fina, elegante e sincera, com habilidade para dizer mais sim do que não”, simples e verdadeiro! Levanto e espanto esse espírito Lyppy & Hardy, os mais velhos vão lembrar do desenho animado e do mote da pessimista hiena: “ohh vida... ohh azar..."

Não vejo futuro auspicioso para quem cultua ou se esconde atrás do “não”. Há tempos, no início desse século, tive uma reunião de trabalho com uma “menina” (mais de 20 e menos de 30, na época). Ela se apresentou dizendo que já havia fechado meia dúzia de empresas digitais. Todos estamos sujeitos às quedas mas tenho dificuldade para entender por quais razões uma pessoa usaria isto como cartão de visitas?

Minha curiosidade, como resultado da nossa conversa, me levou a uma pesquisa rápida para tentar entender o perfil da “menina fracasso”. Era filha de um executivo graduado em um dos maiores bancos no país, bem-educada e com acesso fácil às portas certas. Concluí que demoraria ainda para entender o poder mágico e inspirador do sucesso. Pelo modo como falava do fracasso, parece que não aprendeu muito com ele!

Estranho essa complacência generosa com o fracasso nos dias complicados de hoje. Não acredito que isto gere bons resultados. Sucesso virou termo estigmatizado, associado a dinheiro. Há uns bons anos, não raras vezes, costumo grafar $uce$$o, com cifrões, sem nenhum pudor. À beira da “melhor idade” perdi alguns pruridos. Se na juventude fui comedido, eufemismo para insegurança e ignorância, ao defender algumas ideias, hoje ando menos discreto e mais seguro, não menos ignorante. O fato é que a vida me deu imunidade contra modismos de ocasião!

Compreender o circulo virtuoso por trás de sucesso, grana e liberdade leva tempo. Essa combinação se clareou para mim de alguns anos para cá, quando minha perspectiva de futuro começou a ser drasticamente reduzida. Nada sério, apenas a consciência de que o tempo não pára! Nessa fase trocamos a disposição adolescente de “mais um dia” pela prudência realista do “um dia a menos” e tudo o que queremos é que eles sejam prazerosos.

Naturalmente temos definições diferentes de sucesso para períodos distintos da vida. Até algumas décadas atrás para mim era sinônimo de felicidade. Ter sucesso tinha o único objetivo de me fazer feliz e "contaminar" as pessoas do meu em torno. Nesse contexto nunca houve espaço para comemorar o “não” porque estava focado no sim, que era uma boa medida das coisas que podia construir, conquistar e pragmaticamente usar, na hora!

De uns bons tempos para cá todos devem participar de tudo, certo? Você vai à escolado seu filho e o vê participar dos jogos. Ele ou ela é ruim de… basquete, vôlei ou futebol, que seja! O resultado não importa. São crianças e precisam participar. Você fica feliz, ele fica feliz, todos ficam felizes. Mas nosso time perdeu? Qual é a lição? Todos participaram? Fortalecemos a união entre os todos os alunos? Ensinamos que todos devem ter oportunidade e o resultado é um detalhe? Será que no jogo da vida, analogamente, o resultado também não vira um detalhe? Na escolinha, com crianças, talvez isto não faça mesmo sentido nessa fase mas, e quando isto continua pela sua vida afora?

O culto ao “não” transforma tudo em detalhe. Se você não atingir alguns objetivos, tudo bem! Se você não chegar na hora, tudo bem! Se você não cede seu lugar para alguém mais velho, tudo bem! Se você não estiver afins daquela reunião, tudo bem! Se seu deputado ou vereador não honrar seu voto, tudo bem! Das coisas menos importantes, rapidamente chegamos a atitudes graves e com conseqüências sérias.

Ninguém quer uma sociedade que celebre vencedores e destrate perdedores. Queremos uma sociedade que valorize o caminho, onde sucesso e fracasso, depois do "bom combate" seja um detalhe. Vivemos de exemplos. Educação é exemplo! Quando abro mão de bons moldes, perco as referências e se tanto faz ou se tudo é detalhe, logo menos não conseguiremos distinguir sucesso e fracasso. Nessa hora a história da "menina fracasso" não vai causar estranheza em mais ninguém. É isto que queremos?


Fonte: Claudio Odri
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